Ciclos de demanda por engenheiros: passado, presente e pistas para o futuro
- Luciano Lima
- 9 de out.
- 6 min de leitura

1. Introdução: por que revisitar esse tema?
O mercado de engenharia costuma oscilar entre momentos de “superoferta” e fases de escassez. Essas dinâmicas não são fruto apenas de fatores econômicos, mas também de decisões estratégicas das empresas (como reduzir investimento em estágios e trainees), da formação acadêmica e das características da nova geração profissional. Hoje, há sinais claros de que poderíamos estar entrando em uma nova fase de escassez — um “apagão de engenheiros” se desenha em manchetes recentes.
Este artigo vai mapear os ciclos de demanda por engenheiros, examinar por que empresas abandonam ou reduzem seus programas de atração de jovens talentos, discutir como adaptar-se à nova geração e apontar evidências de que estamos novamente à beira de uma escassez. Espero que isso ofereça insights úteis para gestores, universidades e jovens profissionais.
2. Os ciclos de demanda por engenheiros: um panorama histórico
2.1 Fatores que impulsionam a demanda
A necessidade por engenheiros acompanha, em grande medida, o ritmo de investimento em infraestrutura, indústria, energia, tecnologia e construção. Em períodos de expansão econômica e de obras públicas privadas, a demanda tende a aumentar. Por outro lado, em fases de recessão, cortes orçamentários e retração nos setores intensivos em engenharia reduzem contratações.
Esse comportamento segue o princípio clássico da oferta e da demanda: se há muitos projetos e pouco capital humano especializado, o valor (salários e benefícios) tende a subir — até que o mercado atraia mais profissionais para equilibrar.
2.2 A defasagem entre oferta e demanda
Um fator estrutural é que a formação em engenharia exige tempo (anos) e, muitas vezes, investimento financeiro e dedicação técnica pesada. Isso cria uma defasagem: mesmo que o mercado sinalize aumento de demanda, leva tempo para que a oferta (formandos qualificados) se ajuste.
Em períodos de crise ou recessão prolongada, muitos estudantes desistem ou migram para outras áreas mais “seguras” ou com remuneração mais imediata. Depois, quando a recuperação ocorre, as empresas sentem falta desses profissionais disponíveis.
Estudos do Ipea já apontaram essa possibilidade de “escassez relativa” de engenheiros qualificados, mesmo que a oferta nominal estivesse crescendo. O Insider da engenharia já discute “menos engenheiros no mercado, mais oportunidades” como reflexo desse descompasso entre formação e demanda.
2.3 Momentos de saturação e retratação
Em ciclos de forte desaceleração econômica, muitas empresas fazem cortes, suspensões de contratações e adiam novos projetos. Nessas fases, programas de estágio e trainee são vistos como despesas de “baixo retorno” no curto prazo e muitas vezes são cortados ou reduzidos drasticamente.
Além disso, em momentos de saturação de oferta — quando há muitos engenheiros com pouca diferenciação — as empresas podem aumentar exigências (experiência, certificações) ou deslocar profissionais para áreas não típicas, reduzindo a demanda “clássica”.
Esse ciclo de expansão–contração cria uma volatilidade no mercado de trabalho da engenharia, muitas vezes subestimada.
3. A retirada do investimento em estágios e trainee: causas e consequências
3.1 Por que as empresas recuam?
Pressão por resultados imediatos - Em ambientes corporativos cada vez mais competitivos, existe uma tendência a priorizar contratações que tragam retorno rápido. Contratar um engenheiro sênior “pronto para operar” é menos arriscado no curto prazo do que investir em trainees que demandam mentoria, tempo e erros.
Cortes orçamentários e enxugamento administrativo - Em períodos de crise ou reestruturação, programas de formação interna são alvos fáceis de corte, justamente por serem vistos como “investimento de médio prazo”.
Cultura de “contratação pontual” - Algumas empresas adotam a mentalidade de contratar só quando há demanda explícita, e não manter um fluxo contínuo de jovens talentos. Esse modelo “just in time” deixa pouco espaço para planejamento estratégico de recursos humanos.
Desalinhamento com expectativas da nova geração - Muitos programas tradicionais de estágio/trainee não foram adaptados ao perfil das novas gerações (busca por propósito, flexibilidade, aprendizado contínuo). Por isso acabam sendo menos atrativos, o que gera menor adesão e alimenta o argumento das empresas para reduzir esses programas.
Custo oculto percebido - Da perspectiva empresarial, há custos de mentoria, supervisão, rotatividade e adaptação que reduzem a “rentabilidade” aparente do programa, sobretudo em setores com margens apertadas.
3.2 Impactos desse recuo
Desconexão entre universidade e mercado - Com menos oportunidades reais de colocar aprendizes em campo, o “gap” entre teoria e prática se amplia. Os recém-graduados chegam ao mercado com pouca vivência, o que exige mais investimento em treinamento posterior.
Redução no pipeline de talentos - Ao cortar a base (estágio e trainee), as empresas comprometem seu pipeline a médio e longo prazo. Em vez de cultivar talentos próprios, ficam mais dependentes de contratações externas.
Aumento da competição por profissionais experientes - Com menos jovens sendo integrados, a competição por engenheiros experientes fica mais acirrada, elevando salários e benefícios, especialmente em nichos escassos.
Risco de “apagão de competência” - Em determinados momentos de retomada ou expansão, a carência de talentos preparados pode retardar projetos ou aumentar custos com terceirização ou contratação emergencial.
4. A nova geração de profissionais: desafios e adaptações necessárias
4.1 Perfil e expectativas da nova geração
A geração que entra no mercado hoje tende a valorizar:
Autonomia e protagonismo
Propósito alinhado ao trabalho (impacto social, sustentabilidade)
Flexibilidade de horário e local de trabalho
Aprendizado contínuo e aceleração de crescimento
Transparência e feedback constantes
Muitos programas tradicionais, com estruturas rígidas, pouca rota de evolução clara ou repetição de tarefas “básicas”, não satisfazem essas expectativas.
4.2 Como as empresas (e o setor de engenharia) podem se adaptar
Reformulação dos programas de estágio e trainee
Desenvolver trilhas de rotatividade com significado (job rotation), projetos de impacto real desde o início e mentorias efetivas
Permitir autonomia gradual e participação em decisões
Incluir feedback contínuo e plano de carreira visível
Formação híbrida (soft + hard skills) - O engenheiro moderno precisa combinar competências técnicas com habilidades comportamentais (comunicação, liderança, agilidade, mentalidade de inovação). Os programas devem refletir essa combinação.
Integração com tecnologia e metodologias modernas - Incorporar ferramentas digitais, metodologias ágeis e práticas de inovação desde cedo no programa.
Employer branding e propósito claro - Tornar a marca empregadora atraente, mostrar claramente valores, compromissos ambientais e sociais, e como o engenheiro jovem pode contribuir.
Parcerias universidade–empresa - Criar convênios, estágios de cooperação, projetos reais nas faculdades, laboratórios compartilhados — assim, os alunos já acumulam experiência enquanto estudam.
Flexibilidade e modalidades híbridas - Mesmo na engenharia, permitir flexibilidade (quando viável) em parte das atividades pode aumentar o apelo desses programas.
5. Estamos de novo à beira de uma escassez? Indícios e riscos
5.1 Evidências recentes
Manchetes já apontam que “apagão de engenheiros compromete obras estratégicas” no Brasil.
Dados mostram queda nas matrículas em cursos de engenharia, o que afeta a oferta futura.
Entre 2022 e 2024, houve crescimento de 10 % nas vagas de estágio para engenheiros, mas queda de 24 % nos candidatos desses cursos. Isso evidencia falta de interesse ou de alunos disponíveis.
No setor de construção civil, já se nota escassez de mão de obra qualificada, e empresas adotam medidas inusitadas (como pagar para indicações) para suprir defasagem.
Essa escassez tem reflexos nas exigências dos recrutadores: muitos esperam que recém-formados já dominem normas, ferramentas e projetos, o que raramente se dá.
Esses sinais sugerem que, se não for feito um reposicionamento estratégico, o setor poderá enfrentar gargalos sérios nos próximos anos.
5.2 Riscos e consequências
Atrasos ou cancelamentos de projetos de infraestrutura
Aumento dos custos salariais e benefícios para atrair engenheiros experientes
Dependência maior de consultorias externas ou empresas estrangeiras
Menor inovação, se os projetos não tiverem profissionais novos capazes de trazer ideias frescas
Perda de competitividade, sobretudo internacionalmente
6. Propostas práticas para enfrentar esse “novo ciclo de escassez”
Aqui vão algumas recomendações que podem ser executadas por empresas, escolas de engenharia e órgãos públicos:
Agente | Medidas estratégicas |
Empresas | Reativar ou redesenhar programas de estágio/trainee com foco em engajamento; investir em qualificação interna contínua; criar rotinas de mentoria; adotar metas de renovação de talentos |
Universidades | Reformar currículos para integrar prática desde os primeiros semestres; estreitar relações com a indústria; promover projetos aplicados e experiências reais |
Governo / políticas públicas | Incentivos fiscais para empresas que mantêm programas de formação de engenheiros; subsídios ou bolsas para estágios; apoio a infraestrutura de centros tecnológicos regionais |
Associações profissionais | Criação de certificações reconhecidas, programas de atualização modular, promoção da engenharia como carreira de impacto social e estratégico |
Além disso, é essencial elevar a atratividade da engenharia para jovens: mostrar casos de impacto real, inserir temas como sustentabilidade e digitalização nos cursos e mudar a narrativa sobre “engenheiro tradicional”.
7. Conclusão

Os ciclos de demanda por engenheiros são fortemente influenciados por decisões estratégicas, contexto econômico e o alinhamento entre oferta e expectativa. O abandono ou corte de programas de estágio e trainee pode parecer uma economia no curto prazo, mas compromete o pipeline de talentos e aumenta a vulnerabilidade do setor em fases de expansão.
Hoje, há vários indícios de que o mercado de engenharia no Brasil caminha para uma nova fase de escassez, com menos candidatos, maior competição por talentos experientes e pressão por qualidade. A adaptação é imperativa: empresas precisam repensar suas estratégias de atração e retenção, e o setor educacional precisa alinhar formação à demanda real do mercado.
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